Porto Alegre e a música eletrônica: a importância do Festival Kino Beat

Publicado originalmente em 08/05/2014 @ deepbeep

Orquestra Vermelha

Por Flávio Lerner / Fotos: Claudio Etges

No Brasil dos últimos anos, tem sido notável uma crescente de ações voltadas à cena eletrônica independente – à música feita por DJs e produtores em seus computadores, synths e drum machines. Esse movimento, contudo, tem sido centralizado em São Paulo, com mais dificuldade de respingar em outros estados. No caso de Porto Alegre, além do mercado comercial, a música eletrônica vive através de eventuais iniciativas isoladas, no amor e na raça, sem constituir em uma cena que propulsione carreiras e público consistentes.

É por isso que o Festival Kino Beat, resultado da parceria entre o SESC RS e o projeto Kino Beat – concepção de 2009 do DJ e produtor cultural Gabriel Cevallos –, é um marco importante para a capital gaúcha. Depois de cinco anos trazendo artistas de relevância local, nacional e internacional para instituições de arte da cidade, o Kino Beat convergiu sua proposta – música eletrônica + inovação criativa + imagem em movimento – para um festival de fim de semana, no teatro do SESC. Como resultado, obteve-se, além da realização de um evento bem articulado, autossustentável e de lotação integral, um retorno do público que dificilmente poderia ser melhor. 

Público

A curadoria foi precisa, com destaque para o sábado, 26/04, bem como às ações periféricas. A festa de abertura, sediada no Clube Silêncio, na noite anterior, não recebeu tantos holofotes, mas contou com um time de DJs bastante coeso: DJ Claumon e seu elegante jazzy house, apresentações live do duo de rap Paradizzle e do DJ Rafael Chaves – que quebrou tudo com picotes de samples de músicas conhecidas, banhadas em groove e breakbeats – e fechou com o DJ Feijão, que nos levou de volta ao rap e ao funk dos 80’s. Interessante observar que o envolvimento de disc jockeys não se restringiu à festa: no teatro do SESC, os DJs Landosystem eKahara comandaram os warm-ups de sábado e domingo, colocando em destaque o valor da cultura DJ [e da cultura DJ local!] em um evento que prima pela dissociação da música eletrônica como “música de festa”.

DJ Landosystem

Já no festival propriamente dito, a abertura coube a Diego Abelardo, um dos potenciais grandes artistas que temos escondidos aqui no Sul. Com uma mistura de batidas sincopadas, jazz e música brasileira em contraponto a samples de frases históricas e poemas de autoria própria, o rapaz surpreendeu a ponto de ser aplaudido com gosto. O curioso é que esta foi a primeira exibição de Abelardo com seu projeto Agnostic Orchestra, cujo primeiro volume, Fragmentos do Oito, levara oito anos [!!!] de concepção. No entanto, para tocar ao vivo, Diego optou pela criação de um segundo volume – este desenhado em apenas um mês e ainda sem nenhum registro.

Diego Abelardo

Já a Orquestra Vermelha, projeto do paulistano Matheus Leston, foi a apresentação que, junto a de Fernando Velázquez, melhor representou o conceito Kino Beat. A Orquestra de Leston, diferentemente da de Abelardo, dá tanto destaque para o visual quanto para o áudio, a ponto de um não fazer sentido sem o outro. O artista, ao centro, acompanhado de oito músicos virtuosos que se revezavam em quatro diferentes telas de led, fez uma longa performance de encher os olhos, também recebendo aplausos efusivos [em pé!]. Pequeno detalhe: os oito músicos não estavam presentes, mas sim suas silhuetas, pré-gravadas, que tocavam junto ao paulistano – cada passagem representada por uma cor, ao fundo de cada tela. E se o som era, efetivamente, mais orgânico – via-se e ouvia-se baixo, contrabaixo, bateria, guitarras, pianos e vocais para apenas um pouquinho de beats e de teclado – a concepção era toda eletrônica, tendo a sua dinâmica constituída em loops. Estes loops, por sua vez, tornavam-se explícitos através da arte visual, que mostrava o movimento dos instrumentistas também dispostos em repetições de recorte e colagem.

Assim, ao final de sábado, saímos todos satisfeitos e enriquecidos, com a sensação de termos visto duas apresentações musicais bastante diferentes de qualquer show convencional. Aconteceram, sim, como é de praxe em festivais, alguns pequenos contratempos – em sua maioria, estruturais, como interferências no som e ruídos indesejados. A maior ressalva, porém, vai para o show do duo Opala, que abriu o domingo. Os cariocas Lucas Paiva e Luiza Jobim [acompanhados, naquele dia, pelo guitarrista Gabriel Guerra, ex-Dorgas] mostraram potencial, mas pouco comprometimento, errando bastante e aparentando certo despreparo no palco. Seus momentos mais lúcidos, curiosamente, foram as jams improvisadas.

Opala com Guerrinha na guitarra

O uruguaio Fernando Velázquez, contudo, fechou bem, lançando mão da performance mais desafiadora através do projeto Mindscapes, que representa as fronteiras do cérebro humano através de um caldeirão de house, tango, samba e ruídos, somado a recortes visuais de figuras abstratas, paisagens, metrópoles e frases de pensadores clássicos.

Fernando Velazquez

Velázquez ainda endossou, previamente, o que escrevo neste texto: discursou sobre a importância de eventos como este, que nos permitem usar o som e a imagem em novas e mais aventuradas expressões criativas, diferentemente da cultura audiovisual padrão imposta pela grande Indústria. Seria bobagem, portanto, focar no pouco que deu errado em detrimento ao tanto que deu certo. Foi o primeiro Kino Beat em formato de festival, e os erros aqui devem ser encarados como norte para aprimorá-lo ainda mais.

A vitória de iniciativas como essa, das quais carecemos tanto, passa longe de ser apenas uma vitória do Cevallos e do SESC. É uma vitória de todos que prezam pela música eletrônica e pela arte contemporânea em Porto Alegre; de quem quer ver a cidade e o país contextualizados com o resto do mundo; e, em última instância, é uma vitória da nossa vida cultural. Que tenha sido a primeira de muitas.

Olelelê, olalalá, o MECA vem aí e o bicho vai pegá

Publicado originalmente em 04/01/2013 @ MyCool

Depois de taaaaanta chafurdação nos highlights de 2012, tá na hora de olhar pra frente. E pro verão escaldante gaúcho, os próximos dias antecipam a chegada da terceira edição do refrescante MECAFestival, o nosso pequeno Coachella dos pampas.

Como já cobrimos aqui desde a primeira edição, em 2011, o MECA é sucesso [via Bibo Nunes]. Os line ups sempre se preocuparam em ser relevantes atualmente, em trazer artistas fresh, e a corresponder aos fatores geográficos que o determinam – isto é, é um festival de verão, com artistas que casam com a summer breeze, sejam eles da música eletrônica, do rock ou de tUdO uM pOuCo. Suamos como nunca com as batidas frenéticas de Two Door Cinema Club e Vampire Weekend na praia de Atlântida [o que pra mim ainda soa surreal], assim como curtimos The Rapture [!!!], dançamos lindamente ao som de Mayer Hawthorne sob o luar e aos grooves espertos do set do Breakbot na Fazenda Pontal, entre tantos outros.

Pra 2013, no próximo dia 26, na mesma Fazenda Pontal, teremos Citizens!, Dragonette, Flight Facilities, Friends e Zulu Winter. À exceção do Dragonette, trio canadense com o maior apelo pop da escalação, todos são artistas com carreiras em ascensão, que se destacaram bastante na última temporada. O duo australiano Flight Facilities – meus favoritos – são os melhores representantes da tal vibe do verão; os Citizens! levam por trás o dedo de [sem piadas óbvias] ninguém mais ninguém menos que Sir Alex Kapranos; o Friends chegou a sair na lista de promessas da BBC; e o Zulu Winter foi elogiado por sites como o Guardian com menos de meio ano de vida.

A abertura ainda conta com o DJ e produtor inglês Dark Horse – com EPs lançados pelo selo DFA [do James Murphy] – e com o team brazuca: Holger, banda paulistana em alta total, Database, duo de destaque internacional, e as novidades gaúchas Tess e Dis Moi.

Os ingressos já estão à venda, o primeiro lote já esgotou, e recomendamos muito que vocês comprem e já planejem a viagem que sempre vale bastante – não somente pela qualidade de bons shows, mas pela experiência incrível de viver um festival de um nível e energia que até três anos atrás jamais sonharíamos em ter por aqui. Nós certamente iremos, veremos e venceremos.

                * Mais informações de utilidade pública vocês encontram na página do festival.

                ** Recomendo também o ótimo texto do Gustavo Brigatti, que saiu na Zero Hora uns dias atrás. Jornalismo de verdade, gente!

Indie-marketing: o norte que falta ao Sul

Publicado originalmente em agosto/setembro de 2011 @ Freak! Mag # 3

Não deve ser novidade pra ninguém que o número de festivais dedicados à música independente cresceu incrivelmente nos últimos tempos no Brasil – um provável sintoma da confirmação do indie em escala global, que foi se sucedendo gradualmente ao desenrolar da ultima década. Graças a isso, bandas que nunca imaginaríamos pisando em nossas terras – ou, pelo menos, não tão cedo – começaram a se apresentar com cada vez mais frequência e o Festival Planeta Terra deixou de ser a única opção hipster-tupiniquim. São Paulo deixou de ser a única opção pra ver shows diferentes; o Rio apareceu com o genial coletivo Queremos, que banca show independente de forma independente. E não é que de repente outra região também entrou no mapa?

Vamos voltar um ano no tempo e procurar imaginar Ezra Koenig, do Vampire Weekend, ou os precoces garotos do Two Door Cinema Club tocando em uma praia do litoral gaúcho e, mais absurdamente, falando que era a primeira vez que pisavam no Brasil. Inconcebível, não? Mas como a gente bem sabe, rolou no Meca Festival há seis meses. E que tal LCD Soundsystem na casa do gaúcho? Um “WTF”, no mínimo! E quanto a bandas novíssimas e super modernas como Miami Horror, Darwin Deez, New Young Pony Club e Miike Snow tocando em Porto Alegre, naquela mesma casa que todo mundo amava há três anos e hoje adora falar mal? Vamos pensar então que o Metronomy e o Cut Copy (esses graças ao querido vulcão chileno), duas bandas prestigiadíssimas no exterior, que fizeram terceiros álbuns fantásticos nesse ano – enfim, tão com a bola toda – também vem pra Porto Alegre logo, logo. Tão me acompanhando no absurdo ou não?

A questão é justamente essa. O pessoal do Sul parece não se dar conta da importância disso no cenário todo, da revolução que o Beco e o Lúcio Ribeiro começaram por aqui e que já tá influenciando mais gente também, como a Void. Parece que o povo não ficou pasmo e muito menos empolgado com essa brusca mudança: o Meca não vendeu bem, o LCD não vendeu bem e o público dos shows do New Young Pony Club e do Miami Horror juntos talvez não lotassem o andar de cima do Beco. Em contraponto, o Miike Snow teve uma repercussão bem mais forte e o Darwin Deez teve, além de um número mais razoável, muito mais empolgação. O Television, banda das antigas, mas não das confirmadas, lotou. O que será que leva, então, as pessoas a irem ou não irem a um show por aqui?

O jornalista Gustavo Brigatti escreveu justamente sobre isso esses dias no Remix, da Zero Hora. Segundo ele, produzir shows no cenário alternativo de Porto Alegre é loteria, porque as reações do público quanto aos shows que tem ocorrido não seguem padrão nem lógica. Aparentemente, talvez seja, mas a questão é que o público não é uma massa disforme de comportamento aleatório; são pessoas com traços em comum que diferem e convergem em vários aspectos e precisam ser compreendidas. Eis a chave de tudo: compreensão. Sem entender o público, realmente, produzir em Porto Alegre é navegar sem bussola. É óbvio que por aqui a barra é mais pesada: temos poucos habitantes e cabecinha de província (tem gente que tem medo do hype), então trazer uma banda recém nascida na gringa e querer que bombe aqui parece uma missão impossível.

Sou estudante de Publicidade (não confiem) e pra esse semestre fiz um projeto de pesquisa justamente sobre isso: procurar entender o público de Porto Alegre, suas motivações, seus desejos e ideias perante o mercado indie. Tentar entender, afinal, o que esse público pensa dos shows e porque a procura por eles é normalmente tão baixa. Não vou dizer que cheguei a conclusões brilhantes. Percebi, depois de concluída, que deveria ter enfatizado em outros pontos, filtrado de outras maneiras, além de ter, evidentemente uma colaboração mais efetiva e massiva do perfil em questão. Os resultados encontrados, porém, não são de se jogar fora. Talvez o principal deles seja que as pessoas não se sentem estimuladas a ir a shows. Encontrei indícios de que situações desmotivacionais como preços, deslocamento e falta de companhia têm mais peso na balança se comparados a assistir uma banda pouco conhecida ou que representa baixo valor emocional. Para boa parte deles, anunciar New Young Pony Club por 50 reais não quer dizer muita coisa, pouco importando a oportunidade inovadora de poder assistir um grupo que há pouco tempo jamais pisaria na sua cidade. Na verdade, festa open bar pelo mesmo preço chama muito mais atenção – e não estou falando do pessoal que calça all-star e veste skinny jeans, mas só conhece três músicas do MGMT. Me refiro a gente que pesquisa música e baixa disco novo direto. Esse é o alvo, mas nem eles se sentem motivados o suficiente a ir.

Evidentemente, é uma questão de mentalidade, não tem solução mágica e ninguém vai descobrir uma formula genial pra reverter essa situação em curto prazo, mas lhes digo que talvez o buraco não seja tão embaixo quanto parece (lembrem-se que Miike Snow e Darwin Deez tiveram bons resultados, mas isso a gente ainda não sabe bem porque). Os produtores, porém, precisam ter em mente para quem e em quem investir. Repito, conhecer esse público, entende-lo. Como? Investindo em marketing, em pesquisas profundas, bem mais especificas, embasadas e melhor direcionadas que a que eu realizei. A partir daí, será possível saber o que essas pessoas desejam ou não e, mais importante, como estimula-las a comprar algo que ainda soa pouco sedutor. Falta propaganda, repetição e união; formadores de opinião se unindo em torno da mesma causa para, assim, solidificar uma cena. O primeiro passo já foi dado, falta agora comprar o mapa.